

Criança quer o quarto dos pais... E os pais, querem que ela fique?
Muitos pais vivem o dilema de mandar o filho dormir em seu próprio quarto ou deixá-lo dormir com o casal. Costumam agir movidos pela rotina e não percebem que há prejuízos para a criança, ou ainda, ficam preocupados mas alegam, dentre outros fatores, que o apelo infantil é constante e o cansaço dos adultos também.
Proponho então que pensemos aqui sobre as algumas questões que envolvem o assunto, não pretendendo esgotá-las, já que cada caso, quando é visto individualmente, suscita novas possibilidades.
Podemos começar com o desejo da criança. E lembrar que seu desejo NÃO é uma ordem... Ou é assim em sua casa? Se for, saiba que a sociedade não dará a seu filho essa mesma condição, ao contrário, irá frustrá-lo bastante, quando então, espera-se que ele saiba suportar as frustrações da vida, espera-se que alguém tenha ensinado a ele a tolerar frustrações.
A criança que não dorme em seu quartinho pode querer a cama dos pais por muitos motivos e os mais comuns são: medo ou saudades; ciúmes dos pais e desejo de impedir a proximidade entre eles; não ter aprendido a ficar sozinha; doença; preocupação com um dos pais ou ambos, quando os vêem fragilizados; pode ser o “porta-voz” de algum sintoma familiar; e tantas fantasias mais que invadam sua emoção...
Em cada casa há uma história, hábitos específicos, cultura própria, crenças e valores, enfim, características peculiares que podem reforçar situações boas ou ruins no desenvolvimento da criança. Mas certos critérios são universais e sobre eles podemos nos deter um pouco mais.
Consideremos o quarto da criança como um espaço individual, que deve caracterizar cada fase sua, com seus objetos próprios, sobre os quais ela exerce seu poder, seu afeto, suas projeções diurnas e noturnas... Não precisa ser um grande espaço, mas é fundamental que seja um cantinho seu, bem demarcado, onde aprende a circular e se apropriar, fazendo parte de sua identidade, em desenvolvimento. Mesmo que todos durmam no mesmo quarto, em casas de um só cômodo, é importante que os espaços sejam divididos e com algum isolamento para manter a privacidade.
É nesse espaço físico, onde encontra seus objetos favoritos com os quais brinca e se alegra durante o dia, que a criança pode experienciar seus medos, desejos, fantasias, angústias e frustrações, que às vezes ocorrem à noite, e contar com a estabilidade do local, que se manterá inteiro, constante, independente de seu estado emocional.
O aconchego em seu cantinho estável ajuda a criança a ir se apropriando da capacidade de enfrentar suas dificuldades com mais independência. Conforme ela perceba que está aprendendo a ficar bem sozinha à noite e que consegue regular seu sono, a autonomia avança e se instala.
Na medida em que o quarto é importante para o filho e é respeitado pelos pais, que têm o cuidado de não invadir respeitando o momento da criança, sua hora da brincadeira, seus pertences e a identidade que ela vai imprimindo no ambiente, também isso é refletido para uma das noções fundamentais na educação humana; o respeito ao próximo e à individualidade. Naturalmente fica bem mais fácil que a criança respeite o cômodo e a intimidade dos pais, naturalmente se eles estabelecerem os limites.
Ao contrário, quando as relações em casa são misturadas, os papéis não são definidos, quando não há demarcações de território e limites nas relações, quando a criança não consegue compreender onde começa e termina seus direitos e os do próximo, fica um grande conflito que é imediatamente sentido com ansiedade e traduzido em muitas dificuldades no desenvolvimento infantil.
Podemos pensar aqui também sobre o a questão da relação conjugal. O consentimento dos pais para o filho dormir na cama ou quarto deles, sem respeito às privacidades, na maioria das vezes ocorre por uma situação pendente entre o casal. A entrada do filho faz adiar a discussão do conflito. Eles poderiam até nunca resolver suas questões, por opção deles, mas precisam ter o cuidado de não usarem a criança neste papel. Independente do que haja na relação dos adultos, filhos e pais não devem dormir juntos, para o bem de quem ainda está crescendo, já tem suas próprias angústias e não precisa ficar imersa nesse clima de emoções encobertas.
A cama dos pais, especialmente, com a atmosfera de intimidade sexual, com desejos corporais sentidos e muitas vezes realizados total ou parcialmente na presença da criança, mesmo que esteja dormindo, pode suscitar um interesse e estímulo sensual no filho, como atividade de voyeur e desejos exibicionistas. Lembremos que toda criança, desde que nasce, é um ser sexuado em desenvolvimento e suas etapas precisam ser vividas dentro da capacidade que seu sistema cognitivo e emocional puder dar conta.
Quando acontece a separação do casal e por qualquer motivo o filho passa a dormir com um dos pais, é comum que ele comece a achar que está substituindo alguém e adotar inconscientemente uma responsabilidade fora de hora. O resultado pode ser o fracasso em alguma esfera de sua vida, geralmente na escola...
Será então que a criança nunca pode dormir com os pais? Como um dia excepcional, como uma exceção bem esporádica, apenas assim.
E quando o filho fica doente? Isso é uma exceção, mas a criança pode perceber e usar como regra, chegando a adoecer de verdade ou criar o sintoma fictício... O ideal, dependendo da doença, é que cuidados sejam tomados no sentido da criança poder ser assistida em seu próprio quarto.
Para concluir esta reflexão, mas não para terminar, lembro que educar é a arte da reparação, ou seja, sempre estaremos sujeitos a reformular nossas ações diante de novas idéias e conhecimentos que adquirimos. E isso é extremamente importante para a criança porque, diante das falhas ambientais com sua posterior reparação, ela se reorganiza, aprende a flexibilizar suas idéias e seu comportamento, vê que somos seres sempre dispostos a melhorar e nos adaptar às suas necessidades. Esta é também uma expressão de amor.
Vera Estrella

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